Curiosidades

Engenheiros de universidades federais produzem máscaras em impressoras 3D

Inspirados em iniciativas de combate ao novo coronavírus em outros países, pesquisadores brasileiros estão engajados em projetos para tentar solucionar as necessidades de profissionais de saúde de forma eficiente, rápida e com baixo custo. Na Itália, país que registrou o maior número de mortes pela COVID-19 até o momento, dois engenheiros conseguiram produzir em impressoras 3D válvulas usadas para consertar respiradores mecânicos. A atitude dos pesquisadores acabou impulsionando ações semelhantes em São Paulo. E, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, a inspiração veio de uma empresa tcheca que produz impressoras 3D e disponibilizou moldes de máscaras na internet.

‘Trabalhamos virando dias seguidos’

O projeto FaceShield-UFF, iniciado por três pesquisadores da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, viu o número de profissionais envolvidos na iniciativa se multiplicar nos últimos dias. Hoje, 16 pessoas, entre alunos de graduação, mestrado e professores de Engenharia, Desenho Industrial e Medicina, trabalham em conjunto para desenvolver máscaras do tipo “FaceShield” (escudo para o rosto, em tradução livre) e prolongadores de respiradores mecânicos, que tornam os equipamentos adaptados a serem utilizados por até dois pacientes por vez.

Protótipo de máscara FaceShield feito por engenheiros da UFF

Protótipo de máscara FaceShield feito por engenheiros da UFF Foto: Arquivo pessoal

O engenheiro Marcio Cataldi é um dos coordenadores do grupo. Na terça-feira (24), os protótipos das máscaras foram testados por um grupo de médicos do Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap). Segundo o professor, é essencial que os materiais passem pela avaliação dos profissionais, que recomendam ajustes e melhores formas de pensar o produto.

— Não adianta a gente produzir um EPI (equipamento de proteção individual) que não funcione no dia a dia ou acabe causando algum risco aos profissionais de saúde. Estamos produzindo a máscara com ABS, o mesmo plástico que geralmente é utilizado na produção de painéis de automóveis, e que pode ser higienizado e reutilizado várias vezes, sem nenhum perigo — afirma.

A elaboração dos projetos tem acontecido, por enquanto, pelas impressoras 3D nas casas de alguns dos pesquisadores, como o projetista-chefe Lucas Getirana, mestrando de Engenharia de Biossistemas da UFF.

— Nós já trabalhamos com impressoras 3D em nosso laboratório junto à UFF, então foi natural pensarmos em criar os protótipos para ajudar a atacar o problema — diz o engenheiro.

Teste da máscara em profissional de saúde no Hospital Antônio Pedro, em Niterói

Teste da máscara em profissional de saúde no Hospital Antônio Pedro, em Niterói Foto: Arquivo pessoal

Getirana contou que a reação dos médicos ao projeto foi surpreendente e que eles acreditam num impacto enorme em frear a contaminação por meio da produção de máscaras dessa forma.

— Nós estamos recebendo uma série de mensagens de profissionais do país inteiro, muito animados e felizes com o ponto que alcançamos no nosso projeto! — comemora.

Ainda de acordo com ele, o projeto está na fase final, aguardando a liberação da Anvisa e Inmetro. A expectativa é que a produção acelere na próxima semana, quando a operação vai ser estruturada na Escola de Engenharia, no campus da Praia Vermelha, no Ingá. A princípio, deverão ser atendidos o Huap e outros hospitais em Niterói.

— Trabalhamos virando dias seguidos para a gente poder ter esse resultado, sem parar — ressalta.

Protótipos da máscara produzida por engenheiros da UFF

Protótipos da máscara produzida por engenheiros da UFF Foto: Arquivo pessoal

Cataldi disse que um “QG” será montado na UFF a partir da segunda-feira, dia 30.

— Hoje estamos usando apenas três impressoras, mas com tudo acertado, serão oito, com duas voltadas exclusivamente para prototipagem — explica, estimando que de 30 a 60 máscaras devem ser produzidas por dia pelo grupo de trabalho. — É importante lembrar que nosso maquinário é de pesquisa, não é industrial, então esse número muito aberto de produção é porque uma das impressoras pode quebrar, e acabar atrapalhando o trabalho. Se outras pessoas ou empresas puderem ajudar com impressoras, será ótimo.

Mesmo ainda em fase de testes, a equipe já recebeu pedidos de máscaras de pelo menos três unidades de saúde, como o Hospital Central Aristarcho Pessoa, do Corpo de Bombeiros do Rio, e a Secretaria de estado de Saúde do Pará. Segundo Cataldi, o custo de produção de cada equipamento de proteção facial será, em média, de R$ 15. A reitoria da universidade criou uma conta para que o grupo receba doações, e os próprios profissionais estão usando recursos próprios de outros projetos de pesquisa para investir na iniciativa.

— Queremos ajudar a evitar uma possível falta de equipamentos, o que pode fazer vidas serem perdidas. Unimos nossos esforços e começamos a pensar no que poderíamos fazer, até construirmos essa rede multidisciplinar — diz o professor.

Produção também em São Paulo

Com apoio da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a engenheira biomédica Thabata Ganga, também atua na produção de FaceShields. Ela contou ter acesso a 1,6 mil impressoras 3D cadastradas. A produção, por enquanto, será voltada para São Paulo, mas o objetivo é expandir para outros estados. O objetivo, segundo Thabata, é atender o máximo possível de unidades de saúde no país, com base em um cadastro por meio do governo.

Quanto aos profissionais envolvidos, a engenheira disse ter reunido cerca de 1,1 mil pessoas, que são em sua maioria da área de Engenharia, Saúde e TI.

— As pessoas compraram a ideia na hora. A maior parte dos meus amigos são técnicos ou da área da ciência e tecnologia, então todos que estavam a minha volta entraram no projeto e estão me ajudando a organizar as coisas. Passamos noites mal dormidas, cada um em sua residência em vídeo conferências, e começamos a tocar o projeto — afirma.

Inspiração vinda da Itália

Thabata Ganga explicou ter se inspirado na ideia de dois engenheiros italianos, Cristian Fracassi e Alessandro Romaioli, que desenvolveram válvulas de respiradores, FaceShields e vários outros dispositivos médicos, visando a atender a alta demanda na Itália, país com maior número de mortos pela Covid-19.

Na cidade de Brescia, a empresa deles, Isinnova, fundada há cinco anos, não produzia válvulas. Mas, com a disponibilidade de impressoras 3D, a dupla estava ávida por ajudar e trabalhou em protótipos que servissem aos médicos e pudessem ser usadas em respiradores.

Diante da alta demanda, eles tiveram uma segunda ideia: modificar uma máscara de mergulho já existente no mercado para criar uma máscara assistida por ventilação para hospitais.

Italianos adaptaram máscara de mergulho para uso em hospitais

Italianos adaptaram máscara de mergulho para uso em hospitais Foto: Reprodução / Isinnova

“Não dizemos isso para nos gabar, mas para mostrar o que é possível”, escreveram eles em um artigo no jornal americano “The New York Times”. “Em um momento de crise, e em um momento em que o comércio global está encerrando, ainda existem muitas maneiras de você mesmo de ajudar as pessoas ao seu redor”.

Doação de impressoras 3D que tinham sido apreendidas

Sete impressoras 3D que tinham sido apreendidas pela Alfândega da Receita Federal no Rio de Janeiro foram doadas, nesta quarta-feira, para o Centro Tecnológico do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil (Cresumar). As máquinas estavam na área dos Correios, no Aeroporto Internacional do Galeão, na Ilha do Governador, Zona Norte.

A ação da Superintendência Regional da Receita Federal na 7ª Região Fiscal (RJ/ES) teve como objetivo facilitar a produção de máscaras de proteção para os profissionais da saúde à frente do combate ao novo coronavírus.

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