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Trote revela comportamento patológico, afirma especialista

Foto: Reprodução

Mudam-se os cenários, as épocas, as pessoas envolvidas e a crueldade da ação, mas as notícias se repetem. Assim tem sido a ocorrência do trote nas universidades brasileiras, que buscam formas de conter essa prática agressiva, muitas vezes revestida do argumento frágil de se tratar de um rito de passagem muito mais cômico do que violento. Enquanto um pequeno grupo se esconde atrás da alcunha de veteranos para assim tratar o assunto e se divertir às custas da humilhação e da agressão alheia, os chamados calouros carregam consigo consequências que podem comprometer o seu desempenho acadêmico e o futuro profissional.

É o que explica o psicólogo Wagner Lemos de Souza (foto 2), do Centro de Atenção à Saúde (Ceuas) da Uesb, campus de Vitória da Conquista: “Uma pessoa oprimida deve estar sentindo diversas emoções. Por isso, inibe o comportamento, passa a ter uma dificuldade para socializar, uma espécie de fobia, dificuldade de falar e verbalizar em sala de aula. Uma pessoa oprimida é uma pessoa calada, silenciada, que não tem voz. É uma pessoa sufocada”. Um caso ocorrido em março deste ano, em uma faculdade de Medicina do interior de São Paulo é emblemático e ilustra bem a situação descrita pelo psicólogo. Recém-chegado à Faculdade, um jovem de 22 anos relatou à polícia que “veteranos” o teriam agredido com tapas e garrafadas, urinado e jogado cerveja gelada sobre seu corpo. Após o registro da ocorrência, abalado emocionalmente e ameaçado pelos agressores, o estudante abandonou o curso.

Patologia

Para Wagner de Souza, a contemporaneidade é o palco de uma sociedade do espetáculo, conceito introduzido pelo escritor francês Guy Debord (1931-1944), segundo o qual a imagem se impõe à própria linguagem. Nessa sociedade do espetáculo, a figura dominante tem um nome: Narciso, personagem da mitologia grega que, anacronicamente transportado para o tempo atual, corresponde ao estereótipo do veterano praticante do trote, ou seja, um ser admirador de si mesmo, egocêntrico, forte, que busca se impor sobre os demais porque a realidade por ele projetada é o seu espelho particular de contemplação.

“O narcisismo é um comportamento patológico. E essa é a expressão da figura mais narcísica que possa existir, ou seja, é quando a pessoa diz: ‘eu estou acima do bem e do mal. Eu estou acima desse calouro. O veterano sou eu, quem dita aqui as normas sou eu’”, pontua o psicólogo. É como se o veterano não se contentasse em ser quem é e precisasse mostrar, pela imagem, quem é. A avidez por se mostrar, uma busca constante por autoafirmação, embora desnecessária, gera atitudes violentas e opressão sobre o outro sujeito, fragilizado e inseguro, calouro. “Para o ‘Narciso’, não basta pintar as pessoas, por exemplo, expor as pessoas e ter uma espécie de coisa meio cômica por detrás”.

Para quem é vítima do trote, não há nada de cômico, embora sempre existam aqueles que se proponham a participar da cena no espetáculo, conforme afirma Debord. A admissão do trote e seus desdobramentos num espaço acadêmico chega a ser contraditório aos próprios interesses de quem enxerga na Universidade o ponto culminante de um modo de vida mais intelectualizado e mais civilizado. “Sabemos que o trote é algo patológico, narcisista, que é da sociedade do espetáculo. Nós estamos retrocedendo a um primórdio. É uma espécie de primata bem mais equipado”, analisa o psicólogo.

O trote é proibido na Uesb

Desde 2008, o trote é proibido na Uesb, seja em forma de manifestações ditas mais brandas, como pintar os calouros como maneira de, pela imagem, identificá-los socialmente como estudantes que estão entrando na Universidade, seja em ações que firam sua integridade física, moral e psicoemocional. A Resolução Consu n.º 07/2008 é muito clara nesse sentido.

O gerente acadêmico da Universidade, Marcelo Nolasco, explica que uma das maneiras de conscientizar os alunos da Instituição foi tornar a leitura da Resolução obrigatória. “No processo de matrícula, o aluno não avança de etapa se não assinalar que leu e está ciente da proibição do trote conforme a Resolução. Com isso, não tem desculpa para depois alegar que não tinha conhecimento”.

O aluno que for vítima de trote deve procurar o Colegiado do curso ou a Assessoria Acadêmica do campus e denunciar a prática. Os autores podem responder a processo administrativo, ter a informação constante no histórico escolar, o que, subjetivamente, pode interferir negativamente no seu futuro acadêmico e até profissional. Os agressores também estão sujeitos a responder criminalmente pelos atos praticados, se as vítimas registrarem queixa numa delegacia.

Possibilidades de punição à parte, a discussão que precisa ser feita diz respeito a como conscientizar os veteranos, fazê-los enxergar que o trote é uma prática nociva e reveladora de uma patologia social. “É o que precisa ser discutido, mas não no sentido de falar simplesmente. É no sentido de elaborar e construir junto, porque a questão é: qual é o sujeito que nós desejamos produzir dentro da Universidade?”, pondera Wagner de Souza.