Reserva de resistência: Há 50 anos enfrentando especulação imobiliária, Parque de Pituaçu vai passar por revitalização
Um oásis de Mata Atlântica localizado à margem de uma movimentada avenida carregada de viadutos e asfalto. Esse é Parque Metropolitano de Pituaçu, a maior área verde de Salvador, que era para ser um espaço de preservação e lazer da população, mas também já foi cenário de invasões e assaltos. Agora, o parque parece estar diante de um prenúncio de novos dias com o projeto de revitalização, anunciado na última semana pelo governo do estado.
Intervenção esperada
Foi na última sexta-feira (21) que se iniciou esse prenúncio, com a publicação no Diário Oficial do Estado de uma licitação para a revitalização do espaço. O investimento de R$ 25 milhões e demais detalhes da primeira etapa foram apresentados em uma cerimônia pelo vice-governador Geraldo Jr. e pelo secretário do Meio Ambiente, Eduardo Mendonça Sodré Martins. Antes disso, no início deste mês, o governo havia autorizado a contratação de uma empresa para elaborar um projeto de recuperação estrutural do Monumento a Mário Cravo, artista plástico que tem obras distribuídas pelo parque. A falta de manutenção e a degradação das obras, inclusive, já foram alvo de duras críticas do próprio artista, ainda em vida, em 2016. O espaço detinha 1,2 mil obras, sendo 800 doadas ao estado em 1994, e um acervo privado com 400 artes. Muitas delas estavam em estado de degradação, faltando peças e enferrujadas. Na época, Mário Cravo expressou tristeza com o abandono.
De acordo com o governo estadual, o espaço gerido pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) passará por uma requalificação que incluirá 15 km de ciclovia. O projeto também prevê a criação de espaços modernos e de arquitetura arrojada, integrados à paisagem natural, com áreas para descanso, pontos de observação, novo bicicletário, posto de primeiros socorros, nova iluminação e a revitalização das portarias para aumentar a segurança.
Um passo à frente da especulação imobiliária
Foi também a gestão estadual que criou o Parque Metropolitano do Pituaçu, mas isso lá em 1973, sob o comando do governador Antonio Carlos Magalhães e iniciativa do então Secretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia, Mário Kertész. A intenção era justamente proteger aquele oásis verde localizado à margem da Av. Luiz Viana Filho da especulação imobiliária que se alastrava na região. A expectativa era que ela crescesse ainda mais, já que naquele período estava sendo desenvolvido a poucos metros dali o Centro Administrativo da Bahia (CAB). O nome, que depois acabou se popularizando como “de Pituaçu”, esconde também uma estratégia para fortalecer a preservação. O “Metropolitano”, que entrou na jogada para que o parque ficasse sob gestão do governo do estado, e não nas mãos mais vulneráveis da prefeitura.
Ameaça à espreita
O detalhe no nome fez diferença e, mesmo com o avanço imobiliário e o boom populacional na região, o parque completou no ano passado 50 anos. Mas há pelo menos uma década ele vem enfrentando desafios ainda maiores diante desse mercado feroz.
A construtora OR (ex-Odebrecht) e o governo do estado, por exemplo, se enfrentam na Justiça por conta de um empreendimento. A gestão estadual alega que ele teria sido erguido supostamente em uma parte do perímetro do Parque de Pituaçu. O caso segue sem decisão judicial.
Ativista do Pituaçu em Rede Afetiva e membro do Conselho Gestor do Parque, Paulo Canário estima que há pelo menos 15 anos têm ficado mais sérias ameaças à questão territorial, tanto na ocupação por pessoas de alta renda quanto por populações mais vulneráveis. Para ele, o que tem aberto brecha para essas ameaças é a indefinição aos limites do espaço. “Parece um contrassenso, mas o poder também se transforma em ameaça quando não se respeitam os limites teoricamente estabelecidos nos decretos do parque e nas mudanças que ocorreram ao longo dos 50 anos”, afirma.
“O histórico não é bom, e é preciso um olhar diferente para o parque, é preciso perceber o local como um tesouro natural que a cidade de Salvador poderia oferecer à população, e com o turismo”, emenda o ativista, citando a perda da cobertura vegetal e a falta de manutenção da ciclovia e de outros espaços e equipamentos como sinais da degradação do espaço.
Perdendo espaço
O local originalmente abrangia aproximadamente 660 hectares, hoje, no entanto, restam apenas 392 hectares delimitados, com cerca de 40% da área perdida para a especulação imobiliária, que parece merecer mais espaço do que o meio ambiente e o lazer da população. Ainda assim, o parque continua sendo a maior área verde de uso público de Salvador. Nela já foi catalogada uma grande diversidade de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes. Só a lagoa tem 4 km de extensão e 200 mil m² de espelho d’água.
Uma observação recorrente ao visitar grandes cidades, sejam capitais europeias ou metrópoles da América do Sul, é a manutenção e ocupação de espaços verdes como o Parque de Pituaçu. Em Buenos Aires, Santiago, Paris ou Amsterdã, qualquer gramado está sempre bem cuidado e, ao menos nos dias de sol, se transforma em cenário de crianças correndo e famílias desfrutando do ambiente. Em Salvador, essa cultura parece perder espaço para a ferocidade imobiliária e descaso com espaços públicos.