Cultura Internacional

Quadro que simula a Virgem seminua aparece destruído após críticas da direita na Espanha


Detalhe da obra danificada, ‘Con flores a María’, da artista Charo Corrales

A pintura Com Flores Para María, da artista Charo Corrales e integrante da exposição Maculadas sem Remédio, foi alvo de um atentado nesta terça-feira. A obra, que está exposta na sede do Governo provincial de Córdoba, no sul da Espanha, e mostra a própria artista na pose de uma Virgem seminua e com uma mão na virilha, apareceu com uma fenda que abarca quase toda a tela. Os autores do ataque na galeria da Presidência da instituição permanecem anônimos, mas a sala tem um circuito fechado de TV, segundo fontes do caso.

“Não é a Imaculada se tocando, sou eu me tocando. O quadro é uma fotomontagem com uma foto minha e um tecido azul que me cobre. Só exalto a sexualidade feminina e de modo algum quis ofender a religião católica, mas tornar visíveis as mulheres artistas em uma revisão dos estereótipos da sociedade patriarcal”, explica Corrales, artista e curadora da exposição. “Os outros 13 artistas e eu pedimos respeito à liberdade de expressão. Temos de nos questionar que país estamos construindo para que isto aconteça”, acrescentou.

O ministro espanhol da Cultura, José Guirao, descreveu como atitude “intolerante, beligerante e que passou dos limites” os danos causados à pintura e “condenou” o atentado, que considera “um erro”. Guirao, em entrevista à rede SER, defendeu a arte como “um campo de expressão e de criatividade”. “Pode haver pessoas que se sentam ofendidas [pela obra], mas a maneira de resolver isso não é destruindo-a, mas apresentando uma denúncia”, disse ele.

Na segunda-feira, 13, os partidos de direita PP, Cidadãos e Vox criticaram a exibição da obra e pediram abertamente sua retirada da mostra. “A exposição ofende o sentimento religioso de todos os católicos, a maioria na sociedade cordobesa”, disse o porta-voz do PP na sede provincial, Andrés Lorite. O PP apresentou uma queixa contra a exposição no Ministério Público, e não só a imagem atacada, por crime contra os sentimentos religiosos, já que considera que há outras obras e textos que atacam o catolicismo. “Há textos que simulam uma oração à Virgem, mas com insultos”, diz Lorite. O Ministério Público de Córdoba não confirma por ora a apresentação da denúncia, de acordo com fontes da instituição na cidade andaluza. Antes de sua exibição na cidade, a exposição tinha sido apresentada em uma galeria em Huelva e, em janeiro, em Sevilha.

O Cidadãos também expressou sua oposição a que a obra continuasse a fazer parte da exposição. O Vox, por sua vez, descreveu a pintura como de “uso repugnante” da imagem da Virgem Maria, por mostrá-la “em uma atitude pouco decorosa e imprópria”, e também pediu sua retirada.

Ana Guijarro (IU), deputada defensora da Igualdade na assembleia local, atacou a oposição: “Foi esse discurso intolerante que provocou esse ataque contra a obra, que evoca a Imaculada, mas é a própria artista. Foi um movimento reacionário brutal e um chamado ao ódio, para que as pessoas viessem para ficar mexendo no quadro”. Guijarro disse que nesta terça-feira algumas pessoas compareceram à exposição para tentar danificar a pintura novamente antes de sua retirada por causa dos danos produzidos. A instituição está estudando se registra uma queixa na delegacia pelo ataque ou se isso será feito pela Fundação Rafael Botí, que administra a mostra.

Nos últimos tempos tem havido uma escalada de ações de organizações ultracatólicas contra artistas, cujo caso mais notório é o do ator Willy Toledo, por blasfêmia, uma queixa que o levou a ser processado.

Está previsto que Maculadas Sem Remédio permaneça no Conselho Provincial de Córdoba até 2 de junho. A exposição é um projeto colaborativo de 14 artistas, promovido pela delegação da Igualdade provincial com o objetivo de “uma exaltação da feminilidade mais profunda”. Guijarro ponderou que a amostra questiona o “papel imposto à mulher desde o início dos tempos até o presente. Entre as questões levantadas pelos artistas estão como somos, quem somos, como vivemos a sexualidade e qual é o nosso mundo”.

//El País