Brasil

ONGs: 67% perderam mais da metade da arrecadação com a pandemia

Logo no início da pandemia do novo coronavírus no país, a Associação Missão Resplandecer (Amires), que atua principalmente em favor de pessoas que vivem com HIV/AIDS no Rio de Janeiro, teve sua arrecadação zerada. Além de um convênio público ter acabado — o que era previsto acontecer —, seus doadores, pouco a pouco, entraram em contato, suspendendo as colaborações. O quadro não foi uma exceção. Segundo pesquisa feita em abril pela Rede do Bem, uma iniciativa da Agência do Bem com 231 gestores de organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, do eixo Rio-São Paulo, 67% deles contaram que houve queda acima da metade na arrecadação e 83% previam riscos de fecharem suas portas no curto prazo ou reduzirem as atividades — mesmo que 89% visse grave deterioração nas condições de subsistência das famílias atendidas.

— E eu diria que o quadro se agravou, pois naquela época, as projeções para a pandemia eram tímidas. Hoje, mesmo com o isolamento flexibilizado, a economia ainda não retomou — diz Alan Maia, fundador da Agência do Bem, para quem, em geral, a solidariedade cresceu, nessa crise: — Ações de arrecadação de mantimento se intensificaram, justo e necessário; mas parou de chegar dinheiro para as ONGs, que distribuem o que chega e nunca foram tão necessárias. Quem socorre os socorristas?

Cleide Araújo, fundadora da Amires, confirma:

— Criamos um sistema online para manter atendimentos psicológicos, jurídicos e acompanhamento social dos beneficiários. Além disso, buscamos saber a situação de todos, arrecadamos e distribuímos kits de limpeza, de higiene e cestas básicas. E outras pessoas nos pediram ajuda. Mas, ao mesmo tempo, tivemos que dispensar os seis funcionários, estamos com três meses de aluguel atrasado, luz cortada, e sem dar nem dinheiro da passagem para o voluntário.

Medidas necessárias

Para Alan Maia, a saída estaria na união do governo e de empresas na causa.

— Não houve medidas do governo focadas nas organizações sem fins lucrativos, e muitas delas não conseguem se encaixar nos requisitos pedidos pelos bancos para concederem créditos a juros baixos, por exemplo; ou nas medidas de preservação dos empregos, como a redução de jornadas e salários. As ONGs têm particularidades. E no âmbito corporativo, falta uma flexibilização das empresas que ajudam causas sociais, para o uso dos recursos no pagamento de contas. Geralmente, elas financiam apenas projetos de atendimento à população — afirma.

A ONG Solar Meninos de Luz, que oferece educação básica escolar para crianças e adolescentes das comunidades Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, na Zona Sul do Rio, se reconhece como uma exceção. Conseguiu um empréstimo de R$ 300 mil, o que foi fundamental para não fazer demissões em seu quadro.

— Nós temos um bazar de roupas e objetos de doação, que arrecadava cerca de R$ 30 mil por mês. Com o isolamento, essa perda foi uma primeira pancada. Também a casa espírita que nos mantém fechou, então afetou nossa arrecadação. Mas solicitamos empréstimo para a folha de pagamento do pessoal, que vamos pagar em 36 vezes com juros lá embaixo. E deu para passar pela pandemia sem nenhuma demissão — conta o presidente Guilherme Maltaroli: — Mas isso não é acessível para todas as organizações sem fins lucrativos. O Solar tem 29 anos e ao longo desse tempo montou uma estrutura profissional que lhe permite buscar ajuda. Por exemplo, para conseguir um empréstimo, é preciso ter na conta valor suificente para o pagamento de uma folha. Nem todas têm.

Ainda assim, ele lamenta a ironia do quadro: a verba caiu, o trabalho aumentou.

— Conseguimos contratar uma pessoa de Comunicação para ajudar nas campanhas necessárias. Mas também foi necessário aplicar a Medida Provisória de redução dos salários em 25%. Os professores estão exaustos. Não tivemos um dia sequer sem aula e e eles tiveram que se adaptar ao novo modelo de ensina. A ONG toda precisou se adaptar. Como as crianças tinham três refeições diárias na escola, nos preocupamos em conseguir alimentos regulares para eles. E depois ampliamos a distribuição de cestas para mais 300 famílias da comunidade. Arrecadamos livros com escritores, verduras e legumes frescos, material pedagógico e de higiene para os alunos — pontua.

Financiamento coletivo

As plataformas de financiamento coletivo foram o meio que muitas empresas do terceiro setor e mesmo cultural, ou muito afetadas pela pandemia, acharam para financiar seus custos. As pessoas doam para ajudar pela internet e ás vezes recebem uma recompensa.

No site Vakinha, o número de campanhas publicadas com viés solidário aumentou em quase 40% na pandemia, e os saques realizados para entidades/terceiro setor aumentou 3,5 vezes e o valor repassado aumentou em 9 vezes. No site Benfeitoria, a criação de crowdfundings aumentou mais de seis vezes em junho e julho em relação ao ano passado. Na plataforma Catarse 545 projetos sobre COVID-19 foram criados e, juntos, arrecadaram mais de R$ 5 milhões.

— Temos recebido muitas campanhas para ajudar negócios locais a atravessar a pandemia, projetos voltados para o combate à covid-19 em comunidades indígenas e iniciativas para apoiar profissionais do setor cultural e criativo. Muita gente está descobrindo o financiamento coletivo como uma opção — afirma Rodrigo Machado, presidente e co-fundador do Catarse.

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