Brasil

Moradores da Zona Oeste do Rio vivem sob o domínio de traficantes e milicianos

Barricada na Rua Cunha Pedrosa, na Cidade de Deus. Foto: Fabiano Rocha

Seja pela presença ostensiva do tráfico ou discreta da milícia, o clima de medo e insegurança aumenta cada vez mais na região de Jacarepaguá e Barra da Tijuca. Na semana passada, em uma ronda na Linha Amarela, o EXTRA flagrou barricadas na localidade Tijolinho, na Cidade de Deus. A 500m da pista, um homem com tornozeleira eletrônica e um fuzil fazia vigília ao lado de outro armado com uma pistola.

Homem que usa tornozeleira eletrônica foi flagrado com um fuzil no colo, na Cidade de Deus.

Homem que usa tornozeleira eletrônica foi flagrado com um fuzil no colo, na Cidade de Deus. Foto: Fabiano Rocha

A ronda seguiu informações passadas por moradores ao Disque Denúncia (2253-1177). A pedido do jornal, o serviço fez um levantamento das principais queixas de moradores da região, do início de janeiro a 15 de agosto deste ano. A maior é sobre a ação de traficantes e milicianos.

— No início, as pessoas denunciavam crimes de extorsão praticados pela milícia. Mas o tráfico aprende rápido, e hoje também faz extorsão — observa Zeca Borges, coordenador do Disque Denúncia.

No topo da lista, Jacarepaguá somou 1.288 denúncias: extorsão (17,79%), tráfico de drogas (10,64%) e uso ilegal de serviços públicos (9,01%) foram as principais. Na Praça Seca, dominada por milicianos, foram 489, com extorsão (33,74%), tráfico (13,91%) e uso ilegal de serviços públicos (5,52%) à frente.

O Recreio vem em seguida, com 484 registros, e teve o tráfico de drogas como queixa mais frequente. O ranking segue com Barra, Cidade de Deus, Itanhangá, Curicica, Freguesia, Vila Valqueire, Vargem Grande, Vargem Pequena, Gardênia Azul, Tanque, Camorim, Pechincha e Anil.

Além de traficantes ostentarem armas nas ruas de várias comunidades da região, o consumo de drogas a qualquer hora do dia e da noite também é frequente. Na ronda feita pelo EXTRA pela via expressa que margeia a Cidade de Deus, um homem foi flagrado cheirando cocaína bem perto de uma passarela de pedestres da Linha Amarela.

Homem cheira cocaína perto da Linha Amarela.

Homem cheira cocaína perto da Linha Amarela. Foto: Fabiano Rocha

Ex-chefe da Polícia Civil do Rio e especialista em segurança pública, o delegado Fernando Veloso diz que o retrato traçado pelo levantamento do Disque Denúncia corresponde à nova realidade da cidade. A milícia e o tráfico absorveram características um do outro: se o tráfico hoje cobra taxas de moradores, lojas e empresas nas áreas sob seu controle, a milícia passou a vender drogas. No entanto, ele chama a atenção para diferenças fundamentais na dinâmica da operação de cada tipo de criminoso:

— As milícias têm menor pretensão de enfrentar as forças policiais, até por contarem com braços que alcançam as unidades (de segurança) nos locais onde operam. O tráfico ainda gera mais confronto, tende a promover mais desordem nas ruas, enquanto, num primeiro momento, a milícia até diminui os índices de criminalidade de suas regiões. É preciso fazer um controle dos níveis de corrupção em busca do braço de funcionamento dos milicianos.

Lojistas extorquidos

Outras denúncias dão conta de que milicianos cobram taxas de segurança de comerciantes e moradores na Rua Jurandá, em Curicica. A funcionária de uma das lojas confirmou ao EXTRA a cobrança.

— Não sei quanto é porque é a patroa que paga. Há alguns anos era R$ 60, mas com certeza aumentou. E se moradores quiserem fazer churrasquinho na rua, são obrigados a pagar R$ 200 por noite. Todo mundo paga, senão eles entram na loja, roubam as mercadorias e destroem tudo — disse.

Em reportagem de maio em O Globo, o promotor Luiz Antônio Ayres alertou que a Cidade de Deus é uma comunidade estratégica para a as milícias. Ele acrescentou que há paramilitares infiltrados em batalhões da Polícia Militar, como o 18º BPM (Jacarepaguá):

— Os milicianos já frequentam a comunidade, e o meio de transporte para eles chegarem é muitas vezes o caveirão. Os traficantes são nascidos e criados aqui, já os milicianos são estranhos. E depois que eles dominam, já era.

Ponto tem até sofá para passageiros

O EXTRA foi a alguns dos locais que concentram denúncias. Na Gardênia Azul, onde moradores reclamam da presença ostensiva da milícia, ao contrário da maioria dos lugares com atuação de paramilitares, a equipe flagrou o Garden Driver, na Avenida Isabel Domingues. O espaço com tapete e sofá está à disposição de passageiros interessados no transporte em carros particulares.

Segundo páginas em redes sociais, motoristas de aplicativos são proibidos de atuar na área. Os que não sabem disso ou insistem são abordados por motociclistas, que reforçam a proibição. Quando a repórter do EXTRA ligou para o número do Garden Driver, ouviu do atendente que a informação sobre a proibição da circulação de condutores de outros serviços é boato.

Procurada para comentar as afirmações de envolvimento de policiais de unidades de segurança da região com milicianos, a Secretaria de Estado de Polícia Militar afirmou que não compactua com qualquer possível desvio de conduta dos militares e que a corregedoria pune todos os envolvidos. O órgão reforça que tem canais de denúncia em tempo integral: os telefones 97598-4593 e 2725-9098 e o e-mail denuncia@cintpm.rj.gov.br.

Canal de comunicação que garante anonimato, o Disque Denúncia recebe informações por telefone, WhatsApp, aplicativo e redes sociais e repassa as que dizem respeito a crimes à polícia ou ao Ministério Público, dependendo do caso.

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