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Indígenas são alvo de discurso preconceituoso em universidades

Toda vez que um indígena entra na universidade é uma afronta para aqueles que dizem que o “índio para ser índio” tem que viver na aldeia. O fato de um indígena ter curso superior, não lhe faz menos indígena, ele pode usar a ciência do não indígena, aprender as tecnologias e a medicina ocidental, mas sempre será um indígena, pois carrega sua ancestralidade em seu sangue e em seu modo de vida.

Em 2012, a criação da Lei 12.711, a chamada lei de cotas, passou a obrigar as instituições de ensino superior federais a reservarem vagas para indígenas que estudam em escolas públicas. Foi um grande avanço para a inclusão social e políticas das ações afirmativas.

Com o clima político que tomou o Brasil, entretanto, vem se instalando nas universidades um discurso preconceituoso, falando que os indígenas são privilegiados com as cotas e a bolsa. Mas, o acesso a universidade é um direito de todos, a garantia a educação está prevista na Constituição Federal, portanto, não existem privilégios, mas direitos adquiridos com muita luta pelos segmentos sociais historicamente excluídos.

Indígenas de diversas etnias do país vêm ocupando gradativamente as cadeiras de cursos para o ensino superior e as cotas são importantíssimas para garantir o direito do indígena a uma formação profissional, já que em muitas aldeias não existem escolas de ensino fundamental muito menos de ensino médio e as aulas acontecem em salas improvisadas.

Na região do Oeste do Pará por exemplo, o ensino médio para indígena é feito pelo Some (Sistema de Organização Modular de Ensino), que, por sinal, sofre grandes ameaças, pois o governo do Estado vem tentando implantar vídeo-aulas e tirar o professor da sala. Sem falar na questão da falta de material didático para alunos que não têm o domínio da Língua Portuguesa. Portanto, um aluno indígena estará sempre em desvantagem ao concorrer a uma vaga com um aluno não indígena que estudou em escolas regulares nas cidades. Aqueles que são a favor do fim das cotas, devem pensar primeiro em cobrar um ensino regular de qualidade para todos.

Hoje já é uma realidade encontrarmos, voltando para as aldeias, pedagogos e professores indígenas formados por universidades federais. Os povos indígenas também já formaram seus primeiros médicos, uma vitória para aldeias que sempre enfrentam dificuldades para conseguirem profissionais de saúde que aceitem trabalhar em lugares de difícil acesso.

A Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), criada em 2009, é a primeira instituição federal de ensino superior com sede num dos pontos mais estratégicos da Amazônia, no município de Santarém, e é fruto de um acordo de cooperação técnica firmado entre o Ministério da Educação (MEC) e a Universidade Federal do Pará (UFPA), no qual se prevê a ampliação do ensino superior na região amazônica. É a universidade da América latina que possui o maior número de indígenas, atualmente lá estudam 533 alunos de diferentes etnias.

Depois que o indígena conseguiu ingressar na universidade, encontrou várias barreiras e uma delas foi a da permanência. Como se manter na cidade para estudar, sem moradia, sem sua atividade de subsistência, e muitas vezes tendo que trazer seus filhos? Foi então que as lideranças indígenas conseguiram garantir, depois de muita reivindicação, um auxílio para o estudante por meio do decreto 7.243/10 no valor de 510 reais, subdivididos em moradia, transporte e alimentação.

Com o anúncio de cortes no orçamento das universidades federais feito pelo governo Bolsonaro, os alunos indígenas já estão sendo atingidos diretamente. Na Ufopa, por exemplo, a reitoria já comunicou que a bolsa de 510 reais cairá para 100 reais. O Dain (Diretório Acadêmico Indígena) tem feito diversas reuniões para negociar e impedir a redução drástica do valor do auxílio.

Jorge Wai Wai por exemplo, acadêmico de biologia, é da aldeia Mapuera, município de Oriximiná, distante quatro dias de viagem de Santarém e gasta em média 1.100 reais só de passagem para visitar sua aldeia. Ele optou por trazer sua família, esposa e três filhos, para morar com ele na cidade, pois não tem condições financeiras para visitar a família nas férias. Jorge e a esposa, que não fala português, fazem artesanato e vendem na universidade para ajudar na renda da família. Sem a bolsa, Jorge e vários outros alunos correm o risco de ter que voltar para as aldeias sem concluir o ensino superior.

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