Brasil

Entidades se opõem à concessão de incentivos à indústria de alimentos ultraprocessados

Especialistas em alimentação saudável deverão apresentar nesta terça feira (21) à Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados um documento alertando os parlamentares sobre possíveis consequências da aprovação do Projeto de Lei 7730/14, do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE). A proposta, que tem parecer favorável da relatora, deputada Jaqueline Cassol (PP-RO), pode ser votada pelo colegiado na reunião marcada para a próxima quarta-feira (22).

O projeto prevê redução de tributos para indústrias do ramo alimentício que respeitarem os limites a serem definidos pelo Poder Executivo para a concentração de açúcar, sal e gorduras em seus produtos.

Luisete Bandeira: OPAS defende aumento de 20% nos impostos sobre refrigerantes

Na justificativa apresentada, o autor explica que a intenção é aumentar o controle estatal sobre alimentos ultraprocessados pela indústria, como refrigerantes, biscoitos e salgadinhos – os quais, por possuírem alta concentração de açúcares, gorduras e substâncias sintetizadas em laboratório, como aditivos e conservantes, são apontados por diversos estudos como causadores de obesidade e de doenças crônicas, como hipertensão e diabetes.

Armadilha

Para o deputado Padre João (PT-MG), que sugeriu o debate sobre o assunto na comissão, apesar da boa intenção do autor, na prática, em vez de estimular a produção de alimentos mais saudáveis, a proposta poderá criar incentivos tributários para a produção de alimentos ultraprocessados que estejam dentro dos padrões definidos pelo governo.

“O poder econômico vem contaminando a política e, em alguns casos, não conseguimos reverter. Olha a questão do agrotóxico. É incentivo para importação, para a exportação e, mesmo havendo muitos danos causados [à saúde] e impactos [financeiros] em razão do tratamento de doenças causadas, eles ainda têm o incentivo fiscal”, disse. “Diante do consenso entre as entidades aqui representadas, incluindo o Ministério da Saúde, nós podemos ter êxito em produzir uma nota objetiva com recomendações a deputados e deputadas”, concluiu Padre João.

Durante a audiência pública, especialistas em nutrição e em alimentação saudável defenderam o uso do poder do Estado para subsidiar a produção de alimentos in natura ou pouco processados, como arroz, feijão, frutas e verduras, e, ao mesmo tempo, sugeriram que o País aumente a carga de impostos sobre alimentos ultraprocessados, apontados por eles como causadores de diversos prejuízos à saúde da população.

 

Bebidas açucaradas

Consultora da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) no Brasil, Luisete Bandeira disse que a entidade defende um aumento de 20% nos impostos incidentes sobre bebidas açucaradas, como refrigerantes, sucos artificiais, energéticos, chás. “A experiência de outros países, como México e Chile, nos mostra que, aumentando o preço desses produtos, há redução do consumo”, comentou.

 

Em outra frente, segundo ela, a Opas sugere que o governo brasileiro passe a subsidiar o preço final ao consumidor de alimentos saudáveis. “A recomendação da Opas é que os países subsidiem a compra de alimentos in natura e minimamente processados para estimular o consumo desses itens, e não estimular alimentos ultraprocessados”, declarou.

 

Pesquisadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Laís Amaral afirmou que, sem uma ação do governo brasileiro para estimular hábitos saudáveis de alimentação, tornando grãos cereais, frutas e verduras mais baratos do que alimentos ultraprocessados, é um erro culpar o consumidor por suas escolhas. Ela também defendeu a tributação de bebidas açucaradas argumentando que, além de favorecer o consumo de água e de sucos naturais, a medida contribui para aumentar a arrecadação do governo.

 

Marília Albiero, coordenadora de inovação e estratégia da ACT Promoção da Saúde, observou que o consumo de ultraprocessados vem aumentando nos últimos meses como consequência da inflação no preço dos alimentos. “Isso forçou muitos brasileiros de baixa renda a migrarem para ultraprocessados. Os refrigerantes ficaram 43% mais baratos”, apontou.

 

Ela também defendeu o aumento da tributação sobre bebidas açucaradas e criticou incentivos concedidos pelo governo brasileiro para a produção desses itens na Zona Franca de Manaus. “São de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões em renúncia fiscal para multinacionais”, informou.

 

Ministério da Saúde

Coordenadora-geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Gisele Bortolini disse que o Brasil ainda apresenta um nível de alimentação saudável satisfatório, em comparação com outros países. Segundo ela, mais de 53,4% das calorias totais consumidas no País vêm de alimentos in natura ou minimamente processados. No entanto, reconheceu que o consumo de ultraprocessados já beira 20% do total de alimentos consumidos no País.

 

A representante do Ministério da Saúde associou o consumo de ultraprocessados à obesidade e afirmou que 60,3% dos brasileiros com mais de 18 anos de idade (96 milhões de pessoas) apresentam excesso de peso. Na mesma faixa etária, um em cada quatro brasileiros (41,2 milhões de pessoas) são considerados obesos. Entre crianças e adolescentes, a obesidade atinge, respectivamente, 3,1 milhões e 4,1 milhões de pessoas.

Fonte: Agência Câmara de Notícias