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Flordelis é suspeita de fraudar carta em que filho confessa morte de pastor

A Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo e o Ministério Público estadual encontraram indícios de que a deputada federal Flordelis dos Santos de Souza (PSD) fez parte de um “esquema de fraude de provas” relativas à morte de seu marido, o pastor Anderson do Carmo. Segundo documentos obtidos pelo EXTRA, dados extraídos dos celulares da parlamentar e de duas netas colocam sob suspeita uma carta escrita por um dos filhos de Flordelis, Lucas Cezar dos Santos, na qual admitiu participação no assassinato, o que sempre havia negado. Ele ainda acusou outro irmão, o vereador Wagner Andrade Pimenta, conhecido como Misael, de envolvimento no crime. Misael, filho afetivo de Flordelis, acusa a mãe de ser mentora intelectual da morte de Anderson.

Em documento enviado à 3ª Vara Criminal de Niterói no último dia 9, o promotor Sérgio Luís Lopes Pereira afirma, referindo-se à correspondência, que as apreensões dos telefones celulares evidenciaram uma farsa envolvendo a deputada. No dia 22 de setembro, em entrevista ao “Fantástico”, da TV Globo, Flordelis afirmou ter recebido da mulher de um preso a carta escrita por Lucas. Segundo ela, um de seus filhos foi quem recebeu a correspondência na porta de um presídio.

Pelos dados obtidos no celular de Flordelis, a polícia descobriu que a parlamentar se comunicava no Whatsapp com Andreia Santos Maia, mulher do preso Marcos Siqueira Costa, que estava no mesmo presídio dos filhos de Flordelis. Em uma das conversas, a deputada envia para a interlocutora um comprovante de transferência bancária de R$ 2 mil feito no dia 16 de setembro em nome de Flordelis para Jailton Reis Dantas. A polícia identificou que ele é cadastrado como visitante de Marcos. Em um trecho da conversa, a mulher diz a Flordelis que “pagaram o Lucas”.

Preso há 14 anos, Marcos Siqueira Costa é ex-policial militar e foi condenado a 480 anos e seis meses de prisão por participação na maior chacina do estado do Rio, a da Baixada Fluminense, em março de 2005. Na chacina, 29 pessoas foram mortas em Nova Iguaçu e Queimados. Em outro trecho da conversa entre Andreia e Flordelis, a mulher do ex-PM diz que o marido é muito respeitado na área da segurança. “Se você se sentir insegura, ele coloca alguém pra você, tá? O Flávio pediu, caso necessário”, escreveu Andreia.

Lucas (à esquerda) e Flávio (direita): audiência marcada para o fim do mês
Lucas (à esquerda) e Flávio (direita): audiência marcada para o fim do mês Foto: Reprodução

Na época em que escreveu a carta, Lucas estava preso com o irmão, Flávio dos Santos Rodrigues, mesma cela, no presídio Bandeira Stampa, conhecido como Bangu 9, na Zona Oeste do Rio. Antes de serem transferidos para o presídio, eles ficaram presos durante dois meses em carceragem distintas, na Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo. Em seu último depoimento à polícia, antes de ser transferido, Lucas afirmou que estava sendo coagido por Flávio a mudar seu depoimento.

No documento enviado à Justiça, o promotor Sérgio Luís Lopes Pereira afirma que o esquema de fraude de provas “passou pela inusitada colocação dos réus Flávio e Lucas na mesma cela em um presídio destinado a milicianos e policiais, o que nenhum dos dois é”. Lucas e Flávio acabaram separados por ordem judicial depois da divulgação da carta. Uma perícia será feita para confirmar se Lucas de fato escreveu a carta.

Um ofício da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) do Rio, enviada para a 3ª Vara Criminal de Niterói, também revela que dois advogados de Flávio visitaram Lucas na semana que antecedeu a divulgação da carta. Consta nos registros da Seap que Maurício Mayr e Flávio Crelier estiveram em Bangu 9 nos dias 17 e 18 de setembro para visitar Lucas. Na época, o rapaz era defendido pelo advogado Valter dos Santos, que deixou o caso após a divulgação da carta.

Um dos diálogos encontrados no celular de Flordelis ocorreu entre ela e seu advogado, Fabiano Migueis, no dia 10 de setembro. Eles convesam sobre a reconstituição e a deputada pergunta ao advogado se a reprodução dos fatos realmente ocorrerá “se conseguirmos a confissão do Lucas”. Em outra mensagem, a parlamentar afirma que o “marido da moça vai falar pra ele confessar. Ele só quer ter certeza que Vou perdoá-lo”.

Em outra conversa, no dia 11 de setembro, Fabiano Migueis pergunta a Flordelis se Lucas já escreveu a “outra carta”. Logo em seguida, a deputada afirma que “ela vai fazer o marido conversar com ele até ele confessar”. Fabiano afirma, então, que “é importante Lucas ficar em Bangu 9”.

Os documentos encontrados nos celulares de Flordelis e das netas foram encaminhados pela DH e pelo MP à Justiça para que sejam incluídos no processo respondido por Flávio e Lucas. A primeira audiência do caso acontece nesta quinta-feira, no Fórum de Niterói. Os dados foram obtidos numa análise preliminar feita nos aparelhos. Novas informações ainda são investigadas no segundo inquérito sobre o caso, que está em andamento na DH. Flordelis é investigada pela delegacia por suspeita de participação na morte do marido.

Procurado, Fabiano Migueis afirmou que não poderia se posicionar, uma vez que o processo está em segredo de Justiça. Já a assessoria de Flordelis confirmou o depósito feito e afirmou que o dinheiro se destinava à compra de “kits de roupas e outros utensílios, para seus filhos e outros presidiários. A intenção é dar condições a eles de uma vida com mais dignidade”. O comunicado diz ainda que esse trabalho da parlamentar junto ao presídio já acontece há muitos anos em seu trabalho como pastora.

Na carta entregue à Flordelis, Lucas mudou sua versão para o assassinato e apontou o envolvimento de outro irmão, o vereador de São Gonçalo Wagner Andrade Pimenta, conhecido como Misael, no crime. O rapaz diz que Misael lhe ofereceu vantagens para “dar um susto” em Anderson. Lucas afirma que pediu a um amigo para fazer o serviço. “O moleque já sabia o que ia fazer, mas deu ruim”, escreveu o rapaz na carta, justificando o fato do pastor ter sido morto.

Em seu novo relato, Lucas, que em outros depoimentos havia apontado o envolvimento de Flávio na morte de Anderson, escreveu que o irmão não tem participação no crime. Nos cinco depoimentos que prestou à DH na primeira fase das investigações, Lucas não confessou, em nenhum deles, participação na morte do pastor e nem citou Misael nos relatos. Ele assumiu à polícia ter ajudado Flávio apenas na compra da arma, mas alegou não saber que o irmão planejava assassinar Anderson.

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