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Colunistas Gabriel Oliveira

ARTIGO: Comemorar o Dia da Luta Antimanicomial no Brasil é relembrar barbáries desconhecidas por boa parte dos brasileiros

POR GABRIEL OLIVEIRA, repórter, estudante de Direito e militante dos Direitos Humanos

No Hospital Colônia, de Barbacena, pacientes, em sua maioria sãos, eram mantidos como bichos

No Hospital Colônia, de Barbacena, pacientes, em sua maioria sãos, eram mantidos como bichos

No dia de ontem (domingo, 18 de maio), foi comemorado o Dia da Luta Antimanicomial no Brasil. Essa data remete ao Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, ocorrido em 1987, na cidade de Bauru, no estado de São Paulo, que reuniu mais de 350 trabalhadores da área de saúde mental. Como processo decorrente desse movimento, temos a Reforma Psiquiátrica, definida pela Lei 10216 de 2001 (Lei Paulo Delgado), como diretriz de reformulação do modelo de Atenção à Saúde Mental, transferindo o foco do tratamento que se concentrava na instituição hospitalar, para uma Rede de Atenção Psicossocial, estruturada em unidades de serviços comunitários e abertos. Esta data é de comemoração? Sim. Mas é, principalmente, de reflexão.

É muito comum nas escolas, universidades, rodas de conversa e discussões mais particulares, ouvirmos pessoas debatendo a respeito das ações do Nazismo na Alemanha. A figura de Hitler é utilizada como sinônimo de assassino em série, ditador, sem coração, e não digo que estão erradas, afinal, o país sobre seu comando foi responsável pela quase extinção de uma raça, onde mais de 2 milhões de judeus foram mortos em campos de concentração, após passarem por humilhações, torturas físicas e psicológicas inimagináveis, e descartadas como se fossem objetos com defeito de fabricação. Em resumo, um Holocausto.

Essa situação está distante de nós? Não, meus amigos. Enquanto a grande mídia brasileira, de televisão e rádio, noticiava marcantes fatos históricos ocorridos no século XX, como a 2ª Guerra Mundial, Guerra Fria e a Guerra do Vietnã, várias barbáries aconteciam debaixo dos panos da nação verde e amarela. Dentre elas, uma se destaca pelo nível de desrespeito aos direitos mais fundamentais do ser humano.

Barbacena, cidade mineira a 979,2 km de Vitória da Conquista, com uma população, em 2010, de 132.980 habitantes, já quis ser capital do estado de Minas Gerais. Porém, por ter perdido a disputa com Belo Horizonte, teve que se contentar com uma grande obra: o Hospital Colônia de Barbacena, o maior centro de ‘tratamento psiquiátrico’ da história do Brasil. Assim como os judeus, na Alemanha, tratados como lixo humano e os campos de concentração como os depósitos, o Hospital Colônia de Barbacena não era diferente, afinal, mesmo sendo criado, em 1903, para ser uma unidade de tratamento psiquiátrico com duzentos leitos, em 1961 sua população chegou a cinco mil, porém, por conta da grande rotatividade do hospital, por um fato que citaremos a seguir, estima-se que quase 100 mil pessoas passaram pelo hospital.

No conto intitulado Sorôco, Guimarães Rosa escreveu: “Em Minas Gerais, “trem de doido” é coisa muito boa, sensacional”. Essa passagem diz respeito a como os pacientes chegavam ao Colônia. Segundo relatos da escritora Daniela Harbex, pessoas que não se encaixavam nos padrões da sociedade arcaica no Brasil, como meninas que perdiam a virgindade antes do casamento, homossexuais, epilépticos, crianças hiperativas, opositores políticos, prostitutas, mendigos e outros, sem quaisquer problemas de ordem mental, eram excluídos da sociedade ao embarcarem no trem, que passava por grande parte do território brasileiro, com destino ao Colônia. Essas pessoas, tratadas como lixo e encaminhadas para o esquecimento, ao chegarem ao hospital tinham seus documentos e pertences confiscados e eram internadas sem quaisquer determinações médicas ou judiciais. Na metade do século XX, era tanta gente internada no Colônia que a administração resolveu trocar as camas por capim, mesmo sabendo que Barbacena tinha noites frias e um inverno rigoroso, que combinados à falta de roupas e nudez forçada dos pacientes, foram responsáveis por inúmeras mortes por hipotermia.

Como se já não bastasse a tortura causada pelas condições precárias do hospital, onde pacientes chegavam a comer ratos e beber água de esgoto, além das condições climáticas rigorosas, os tratamentos psiquiátricos utilizados eram os mais bárbaros. Sem qualquer formação médica para tal, funcionários eram ensinados a utilizarem, indiscriminadamente, métodos como o eletrochoque, sem qualquer anestesia ou estratégia para evitar a dor, de forma que, com o mínimo de erro no procedimento, o paciente, quando não morria, tinha sérias lesões.

A barbárie é tão grande que é impossível registrar neste artigo. Mas, para demonstrar em números, pasmem caros leitores, cerca de 60 MIL PESSOAS MORRERAM NO COLÔNIA, motivo pelo qual se dava a rotatividade do hospital. De toda a população que passou pela unidade, 70% não possuía qualquer doença mental. É um fato marcante, porém ainda acontece, senão em proporções maiores, nos grandes depósitos humanos vistos pela massa como uma solução para os problemas da humanidade: os presídios.

Sim, o Brasil teve e tem todos os dias o seu holocausto. O Brasil foi e é um país preconceituoso. Sim, as penas são o “trem de doido” com a conivência da sociedade. Sim, ainda temos muito a nos envergonhar.