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Beirute busca sobreviventes após explosão deixar mais de 100 mortos e 4 mil feridos

A grande explosão que atingiu a região portuária de Beirute nesta terça-feira deixou ao menos 100 mortos e 4 mil feridos, segundo a Cruz Vermelha. Equipes de resgate ainda buscam desaparecidos e enfrentam dificuldades para auxiliar todos que precisam de ajuda na capital libanesa. Os desabrigados, segundo o governador Marwan Aboud, podem chegar a 300 mil.

Ainda não se sabe a causa da detonação, que as autoridades afirmam ter começado em um armazém onde estavam estocados 2.750 toneladas de nitrato de amônia, produto altamente tóxico usado na produção de fertilizantes e explosivos. Segundo fontes ouvidas pela Reuters, informações preliminares apontam para negligência no armazenamento do material.

Sabe-se que um navio que fazia uma rota entre o porto de Batumi, na Geórgia, e Biera, em Moçambique, carregando a mesma quantidade do produto, teve sua carga confiscada pelas autoridades libanesas no fim de 2013. A firma de advocacia responsável pelo caso disse que o nitrato de amônia teria sido descarregado em um hangar no porto.

Em resposta, o chefe do porto de Beirute disse que a alfândega enviou diversas cartas solicitando a remoção ou exportação do produto, mas não obteve resposta.

Em um discurso televisionado nesta quarta, o presidente Michel Aoun prometeu transparência nas investigações. Na véspera, via Twitter, havia dito ser “inaceitável que um carregamento de 2.750 toneladas de nitrato de amônia estivesse há seis anos em um armazém sem as medidas de segurança adequadas”.

— [Estamos] determinados a investigar e expor o que aconteceu o mais rápido possível, responsabilizar os culpados e os negligentes e sancioná-los com as punições mais severas — disse Aoun.

Após uma reunião de emergência, o Conselho de Alta Defesa recomendou ao governo decretar o estado de emergência na capital por duas semanas. Durante este período, um “poder militar supremo se encarregará de todas as prerrogativas de segurança”.

Até o momento, ainda há dois focos de incêndio na região portuária e o governo diz que não há indícios de que a explosão tenha relação com atividades terrroristas. Segundo Aboud, estima-se que os danos materiais causados pelo incidente ultrapassem US$ 3 bilhões. As explosões foram ouvidas até na cidade costeira de Larnaca, em Chipre, a pouco mais de 200km da costa libanesa.

A explosão deixou a zona portuária coberta de cinzas e escombros e afetou metade da cidade que, de acordo com o prefeito Jamal Itani, parece uma “zona de guerra”. Um prédio de três andares teria desabado, deixando várias pessoas presas, e quase todas as vitrines de lojas e casas de bairros vizinhos destroçados.

Os hospitais de Beirute estão sobrecarregados e há pacientes recebendo tratamentos até mesmo em clínicas veterinárias, apontam relatos locais. Feridos foram transferidos para cidades tão distantes como Tripoli, a 80 km da capital. Segundo a Cruz Vermelha, ambulâncias de todo o país foram levadas para a capital.

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— Há muitos desaparecidos até agora. As pessoas perguntam ao departamento de emergência sobre seus parentes, mas é difícil realizar buscas durante a noite porque não há eletricidade — disse à Reuters o ministro da Saúde, Hamad Hasan. — Nós precisamos de tudo para internar as vítimas, e há uma séria escassez de tudo.

Israel negou ter qualquer relação com o caso e seu ministro da Defesa, Benny Gantz, ofereceu assistência humanitária por meio de seus canais diplomáticos. Outros países como Catar, Estados Unidos, Irã, França, Holanda e nações do Golfo Pérsico também se prontificaram. O presidente Emmanuel Macron irá pessoalmente ao Líbano na quinta-feira, onde terá reuniões com autoridades da ex-colônia francesa.

O incidente ocorre em um momento complicado para o país, que atravessa sua pior crise econômica desde o fim da longa guerra civil (1975-1990). A crise foi agravada após uma onda de protestos que levou milhões de pessoas às ruas no final do ano passado — um movimento que levou à queda do antigo Gabinete, substituído pelo ministério de tecnocratas liderado pelo engenheiro Hassan Diab.

A explosão destruiu completamente o porto, crucial para uma nação que tem dependência vital da importação e já lida com alta no preço de alimentos e aumento da pobreza. Segundo o jornal Financial Times, cerca de três quartos da importações libanesas entram no país pelo porto de Beirute. Um navio ucraniano que estava sendo descarregado na hora da explosão está em “boas condições”, segundo sua operadora.

O silo nacional de grãos, com capacidade para armazenar 120 mil toneladas, foi completamente destruído. Na hora da explosão, segundo autoridades, havia armazenado não mais de 15 mil toneladas de trigo, que foram derramadas com a detonação.

À Reuters, o ministro da Economia, Raoul Nehme, disse que o estoque atual de graõs do país é suficiente para pouco menos de um mês e que, para garantir segurança alimentar, será necessário reservas para até três meses. Ao menos outros quatro portos do país, entre eles o de Tripoli, tem capacidade para descarregar grãos, mas não têm espaço para guardá-los. Armazéns alternativos estão sendo analisados.

— Não há crise do pão ou da farinha — disse o ministro. — Nós temos inventário suficientes e barcos a caminho para suprir as necessidades do Líbano a longo prazo.

O Líbano é um dos país mais endividados do planeta, conforme o peso libanês despenca e a inflação aumentou 56%. A previsão é que a economia libanesa contraía cerca de 12% neste ano.

O governo, apoiado pelo movimento xiita Hezbollah e seus aliados, tem se esforçado para realizar reformas exigidas por organismos internacionais. Negociava-se um empréstimo de US$ 10 bilhões com o Fundo Monetário Internacional, mas a instabilidade política afundou as conversas e Beirute buscou ajuda com países do Golfo, principalmente Kuwait, Iraque e Catar.

O incidente ocorre em uma semana-chave para o país, dias antes do veredicto sobre o assassinato do ex-primeiro-ministro Rafik Hariri, em 2005. Na sexta-feira, um tribunal da ONU formado por resolução do Conselho de Segurança deve emitir a sentença contra quatro homens acusados de terem participado do atentado que matou Hariri.

Os réus, todos membros do Hezbollah, estão sendo julgados à revelia pelo Tribunal Especial do Líbano (TSL), com sede em Haia. Além do premier sunita, 21 pessoas morreram naquela explosão. O movimento xiita sempre negou qualquer papel no crime, que levou à saída das forças sírias do Líbano.